martes, 30 de diciembre de 2008

Arte pela arte. Un artigo de Jorge Amado.


Arte pela arte
Aracaju, 22 de novembro de 1935
Jorge Amado

Hora espessa já chamou um poeta ao momento que atravessamos. E os poetas têm o instinto divinatório. Hora trágica, dolorosa, momento de dúvidas e angústias para todos os intelectuais.
O mundo atravessa um momento essencialmente político. E é conhecida a velha chapa que colocava o artista, o intelectual, o homem de letras, à margem dos acontecimentos políticos. É o conceito célebre da “arte pela arte”. O artista trancado na sua clássica torre de cristal que quase sempre não passava de um quarto mal arrumado onde a miséria imperava, a cabeleira romântica caindo sobre os ombros, não se interessava pelos acontecimentos que se desenrolavam cá embaixo no velho mundo de homens sem senso artístico, de homens que lutavam no quotidiano de cada dia pelas renovações políticas e sociais. O conceito de “arte pela arte” desumanizava o artista. Ele não trabalhava em função da humanidade que se locomovia na terra, a terra das ruas. A realidade era uma coisa que não lhe interessava. O cristal de sua torre tapava-lhe os olhos para o espetáculo dos homens apressados ou tímidos que viviam os poemas, os romances, as epopéias diárias. Fora da terra, longe da humanidade, o artista era o contrário do político. Eram extremos. É certo que alguns homens não acreditavam na verdade do conceito célebre. É certo que alguns homens fizeram a sua arte em função da humanidade e da realidade. Mas ninguém desconfiou sequer que se tratava de gênios. Ninguém quis ver em Shakespeare um descortinador de toda a vida da Inglaterra de seu tempo. Então não passou ele de um teatrólogo vulgar, amado pelas massas, não aceito pelas elites. Foi preciso que se passassem os séculos para que a humanidade visse em Shakespeare um gênio, algo mais que um teatrólogo de mérito discutível. Só a massa, que como os poetas têm o instinto divinatório, compreendeu o gênio inglês. E como todos os gênios, Shakespeare foi um precursor. Acho que não ofenderei os ouvidos de ninguém se afirmar que ele foi um precursor da literatura de classes.
Essas raras exceções que não foram compreendidas, esses raros artistas que tiveram o senso político, que olharam para a humanidade das ruas, dos botequins, das tavernas, dos campos, para a marinhagem dos navios que cruzam o grande mar misterioso, como esse Camões que vale por uma raça, não tiveram o aplauso dos homens intelectuais de seu tempo, porque não cabiam dentro do conceito de “Arte pela Arte”.
Essa desumanização da literatura acima da vida, de colocar o artista à margem dos acontecimentos, dominou muito tempo o conceito de arte e ainda hoje gritam por ele todos os que querem combater a literatura interessada, como se hoje houvesse alguma literatura que não fosse interessada.
“Arte pela Arte”, bela frase, sem dúvida, para os amantes dos paradoxos à Wilde, esses velhos literatos que pregam a morte pela tuberculose aos vinte anos como preceito estético, literatos que, para nós, filhos de uma hora angustiada, geração essencialmente política, não tem sentido algum, não nos interessam mais que os carros de bois sentimentais que ainda esperam os automóveis para uma aposentadoria decente.
Oscar Wilde é bem o símbolo, é bem o maior representante de todos esses intelectuais desumanizados e inúteis. É o maior de todos eles e hoje em que nos interessa Oscar Wilde, que, no entanto, está tão próximo de nós pela medida do tempo! Excetuando alguns dos seus poemas, exatamente aqueles que a dor humanizou, aqueles que fugiram ao conceito de “arte pela arte” para se tornarem símbolos da dor e da miséria de uma classe de homens, dos artistas, só interessa em Wilde a sua vida escandalosa que é pacto de comentários dos alunos internos de colégios de padres, dos rapazolas de vida sexual regrada e difícil, que se interessam pelo artista inglês como se interessam pelos livros baratos de pornografia. Aquele que quis ser o romancista em Oscar Wilde desapareceu. O que foi ele? Um boneco que se retratou em diversos bonecos. Onde está a vida dos heróis de Dorian Gray?
Símbolo de um conceito, Oscar Wilde acreditou no paradoxo, na mentira, podemos dizer, de “arte pela arte”. Fez dessa frase a norma da sua arte e mesmo a norma da sua vida. Não é de admirar. Gênio falso, ele amava as frases, ele adorava a forma. E a forma é o reservatório estanque de todos aqueles que são capazes de criar. Estendendo o conceito, de Oscar Wilde, símbolo, a todos aqueles que acreditam na mentira da frase-norma, podemos dizer que nada nos deixaram, que nada nos legaram, que não foram úteis nem à beleza sequer, porque não pode haver beleza fora do humano, não pode haver deformação artística que produza beleza, que seja obra-de-arte, se essa deformação não se basear na realidade do quotidiano dos homens.
Tomando Oscar Wilde como exemplo, vejamos os heróis dos seus romances. O que se requer de um personagem de romance é que ele tenha vida, que seja humano, que o seu drama, a sua tragédia, a sua comédia, o que quer que seja a sua vida, tenha o dom de nos comover e nos fazer chegar mais perto da humanidade. Nada disso encontramos nos personagens “arte pela arte” de Wilde. E quando digo Wilde, eu tomo como símbolo de toda uma classe de artistas. O que encontramos nestes personagens é belas frases, muitas delas sem sentido, são paradoxos rutilantes, são trabalhos de forma, feitos de propósito para encantar literarelhos desocupados que filam cigarros e café.
É preciso ter a coragem de negar a beleza desses heróis artificiais. A falsificação da vida, a artificialização do homem para servir a um conceito, não pode ser beleza. Aquilo que costumam chamar em Oscar Wilde de Luta, aquilo que nele é ou qualquer reação contra a hipocrisia de uma Inglaterra pervertida e falsamente religiosa, foi uma luta inútil porque ele não foi buscar suas armas como Shalespeare, como o autor das Viagens de Guliver , como Poe, em reação aos Estados Unidos, na realidade. Esses deformaram a realidade. Esses deformaram a realidade para criar a beleza, para lutar contra uma sociedade falsa e cheia de preconceitos. Tirou de si e dos outros homens a humanidade de seus livros, humanidade que atravessou os séculos e vive ainda hoje, Oscar Wilde e os “arte pela arte” começam por criar de si um ser artificial e literário e a imagem deste ser que nada tinha de humano construíram os seus bonecos, fizeram a sua deformação artística. Se um homem a mover um boneco, a falar por ele, não convence as crianças sequer, o que dizer de um boneco a mover um boneco?
Os primeiros foram criadores, escreveram para os homens, mostraram à humanidade a beleza. Os últimos escreveram para bonecos, para uma humanidade que não é a nossa, escreveram para esses meninos que lutam contra a cultura e contra o útil.
Se quisermos ir mais adiante chegaremos com facilidade a negar por completo este conceito que colocava o artista na torre de cristal. A literatura nunca deixou de servir a uma classe. O conceito que era fruto da vaidade dos intelectuais, que os colocava acima das competições humanas, foi sempre de uma falsidade desoladora. O artista e em particular o romancista nunca deixaram de servir a uma classe.
O intelectual fora da humanidade, fora dos anseios, dos desejos, das lutas dos homens, não pode existir, porque a literatura existe em função da humanidade.

Publicado em O Estado de Sergipe Ano III – Nº 773

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